O que é real?

Hoje, pela manhã, recebi uma matéria muito interessante do meu amigo, e colega psicólogo, Heleno Salvador. O texto abordava um tema recorrente para os filósofos e outros estudiosos sobre as questões existenciais: vivemos uma vida real ou apenas uma fantasia? Para além da ideia central, que já foi explorada em filmes de sucesso, como a trilogia “Matrix”, o que mais me chamou a atenção é que o cientista do artigo em questão tentará provar que vivemos em uma ilusão. Isto será feito através de um experimento controlado em laboratório.
Para os que querem saber detalhes sobre o experimento, deixarei o link da matéria no final deste texto (1). O que, basicamente, me “aguça os sentidos” nesta empreitada é o desejo do físico Tom Campbell, que, nada mais é, mostrar evidências de que a realidade é uma projeção das nossas impressões. Em suma, a realidade só existe quando experimentada pelos órgãos dos sentidos. Descartes, filósofo francês, foi um dos pensadores que mais se debruçou sobre este tema, devotando uma vida para problematizar a questão da existência, tendo como frase mais famosa a sentença “penso, logo existo”.
Na própria matéria, há algumas contestações, feitas por outros cientistas, acerca da possibilidade de se provar tal hipótese, uma vez que o que existe sobre física quântica (base do conhecimento que será usado por Tom) ainda é insipiente e boa parte do que se produziu é um “mix de conhecimentos” sem um arcabouço teórico – sem este arcabouço, não há endosso da comunidade científica.
Por mais que tal investida seja considerada um pouco maluca para comunidade científica, e um pouco cinematográfica de mais para a os leigos, o cerne do problema que Campbell busca solucionar também é, de certa forma, uma questão para nós, psicólogos: o que é verdade e o que é fantasia no que o paciente nos relata? Freud, o pai da psicanálise, chegou a mudar um dos pilares de suas descobertas ao concluir que havia no relato de alguns pacientes uma série de relatos fantasiosos.
Para nós, psicoterapeutas que se guiam pelo viés psicanalítico, o problema “fantasia x realidade” não é uma questão de busca pela verdade. O relato do paciente é o mais importante numa análise, uma vez que são as construções da visão de realidade que subsidiam aquilo que somos enquanto instância subjetiva. Em outras palavras, para nós, seres de desejo, a ideia que fazemos de nós e do mundo é o que vale de verdade. É exatamente por isso que temos tanta dificuldade em mudar determinados comportamentos, mesmo que os resultados destes comportamentos sejam desfavoráveis para nós.
O experimento proposto pelo físico Tom Campbell será realizado. Suas conclusões serão apresentadas e, obviamente, ratificadas ou desconsideradas pela comunidade científica. Talvez nunca chegaremos a uma conclusão acerca de tal paradoxo, mas, sem dúvida, no campo do pensamento, do entendimento que fazemos de nós mesmo e do mundo que nos cerca, o que importa mesmo são as nossas impressões. São elas quem determinam as nossas escolhas, dúvidas, angústias e sintomas. Neste sentido, o que vale mesmo não é saber se um paciente mente ou conta verdade, mas sim o quanto tal relato precisa ou não ser verdade. Logo, mesmo antes do resultado da pesquisa de Tom Campell, posso dizer que ele tem razão.
(1)https://super.abril.com.br/ciencia/a-realidade-e-uma-ilusao-e-ele-quer-provar/
Tiago Pontes é psicólogo e atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.
Tiago Pontes
Psicólogo
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