Você também fracassará em 2021

Mario Quintana escreveu: “A Psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora.”. O poeta dos passarinhos estava certo. Escondemos, deliberadamente, de nós mesmos coisas que sabemos que não suportaríamos descobrir. Deve ser por isso que Freud pedia para que os pacientes se deitassem ao divã, pois o baque é grande pra suportar em pé. O cuidado e a posição confortável, na horizontal, permitiam que o analisando se sentisse livre para dizer o que quisesse, sem regras e censura. “Diga tudo o que passar pela cabeça” tornou-se o pontapé inicial para qualquer sessão de psicanálise.
Para maioria das pessoas, o fim do ano é uma oportunidade de reflexão. Após a avaliação sobre os últimos doze meses, decidem quais serão os próximos passos e metas: perder peso, aprender uma nova língua, mudar de emprego, casar (ou se separar). Acreditam que o início do novo ciclo será uma nova oportunidade de fazerem aquilo que não conseguiram fazer no último ano (obviamente omite-se o fracasso de anos anteriores) e que agora sim, vai!
Dizem ser do Einstein a seguinte frase: “Loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual!” (Na dúvida, para que este texto tenha mais credibilidade, deixemos assim: é do Einstein!). Mesmo sem sucesso, continuamos com a mesma estratégia. Entra ano, sai ano, seguimos com as promessas. Bom, se o grande gênio da física diz que tentar repetir os mesmos métodos para conseguir resultados diferentes é uma loucura, por que continuar tentando, então, o mesmo caminho? Admitamos. Fracassaremos em 2021 também!
Acredito que muitos dos que chegaram até esta parte do texto não continuarão a leitura, afinal não está na moda não ser otimista, mas se você decidir continuar, se um texto “deprê” não te afugentou, proponho que se abra para uma nova perspectiva sobre sucesso e fracasso. Que tal um caminho diferente?
A experiência clínica me diz que os pacientes que têm os melhores benefícios no processo psicoterapêutico são os que aceitam que não estão bem. Muitos são os interessados em mergulhar neste exaustivo e custoso processo. Parte dos que me procuram, desistem nas primeiras entrevistas. Outra parcela, um pouco menor, consegue chegar até o divã e sustentam uma ou duas sessões. Poucos são os que mergulham na pesquisa do próprio inconsciente. Seria leviano de minha parte não incluir nas possíveis causas das desistências dos pacientes minha inabilidade no manejo das entrevistas ou, como costumam dizer, a “química” entre paciente e terapeuta.
Posso, também, incluir aí aquilo que está presente em qualquer profissão: pode não ter sido meu dia e, tecnicamente, não fui bem. Excluindo essas causas, o que na maioria das vezes afugentam os pacientes são as primeiras descobertas sobre partes de si mesmos que se negam a conhecer. Admitir tal condição confronta a ideia de que tudo está sob controle. Se assustam com a arrebentação e, precipitadamente, concluem que o mar não é pra eles.
Quando escrevi sobre a pandemia, sugerindo que ela não acabaria tão facilmente (os números estão sugerindo que não estava tão errado), alertei o leitor de que eu não tinha o objetivo de fazer campanha contra o otimismo. Ao contrário. Minha meta era esclarecer o que tem de nocivo no que gosto de chamar de otimismo patológico. Conhecido como negação, este mecanismo de defesa nos faz ver um bichinho de pelúcia onde há uma cobra feroz. Em suma, tornamo-nos cegos diante do perigo.
Neste fim de ano, muita gente padecerá deste mal. Não estão vendo perigo em visitar os parentes e comemorar o natal juntos. Afinal, estão se cuidando desde o início da pandemia e não vai ser agora que a sorte abandonará os bravos guerreiros do isolamento. Cegos diante do perigo real (estamos voltando aos números do pico da pandemia, lembrem-se), seguem otimistas de que o espírito da paz e união impedirá a contaminação.
Passado o período de natal, chegará o momento das metas para 2021. Infelizmente, fracassarão, assim como em 2019, 2018, 2017… Enganados pelo otimismo patológico, serão surpreendidos pelos fracassos que já começarão a se materializar em janeiro (incluindo as contaminações natalinas) e que se estenderão pelo resto do ano. Os primeiros projetos abortados, repetição dos comportamentos considerados nocivos e, lá pra fevereiro, a certeza de que será mais um ano como outro qualquer. O fracasso é democrático e não exclui classe social, gênero ou raça. Proponho que, antes de delimitarmos nossas metas, reconheçamos que fracassaremos este ano também. Se vamos fracassar, o que podemos fazer, então?
Os pacientes que seguem e que se sacrificam no processo analítico parecem ter a reposta. Chegam cansados e sem esperanças sobre a própria saúde mental, mas, ainda assim, insistem e sempre aparecem para a próxima sessão. Muitas vezes terão motivos razoáveis para não continuar, mas algo típico dos que fracassam se apresenta: não têm nada a perder. Não se enganam e não tentam se convencer de que as coisas estão boas, mas sabem que se algo tiver de acontecer, acontecerá em cima do próprio fracasso de suas vidas. O que tiver de ser construído, será feito em cima dos escombros da própria existência.
Para este ano, espero que todos nós fracassemos. Que admitamos que as coisas não mudarão magicamente. Que a troca do calendário na parede (ainda usam isso?) não fará com que as coisas simplesmente mudem. Que tenhamos a grandeza de nos enxergarmos pequenos. Que aceitemos que algumas batalhas não podem ser vencidas em pé. Muitas vezes, a alternativa é deitar. Aproveite e, agora que deitou, fale tudo o que passar pela sua cabeça…
Bom 2021.
Tiago Pontes é psicólogo e atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.
Tiago Pontes
Psicólogo
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