Sobre pensar e agir

Você, com certeza, já ficou preocupado com algum pensamento que surgiu sem controle em sua cabeça. Uma ideia que parece ter brotado do nada e que, “por vontade própria”, toma conta de sua mente por um longo período. Se voltarmos um pouco no tempo, poderemos lembrar de nossos avós que chamavam o câncer de “aquela doença lá”, pois imaginavam que não era bom dizer “aquela palavra” e, rapidamente, tentavam expulsa-la da mente.
O problema dos “pensamentos ruins” foi o ponto de partida das pesquisas de Freud. A psicanálise surgiu com a necessidade de tratar as mulheres que, chamadas de histéricas, tinham sintomas, manifestações físicas, sem causa aparente e que desafiavam o saber médico do final do século 19/começo do século 20. Freud, já com sua teoria bem estabelecida, concluiu que os sintomas destas mulheres eram reminiscências de pensamentos e desejos não “realizados” e que a repressão destas ideias convergiam-se em sintomas graves, causando sofrimento. É importante salientar que, neste momento, falamos de uma época em que determinados assuntos, sobretudo os de cunho sexual, tinham de ser esquecidos.
Hoje, em pleno século 21, já não temos as histéricas da época de Freud, mas temos a necessidade de mantermos alguns assuntos fora de nossos pensamentos. Alguns pensamentos nos causam sensações e sentimentos que não gostaríamos de ter, seja porque não consideramos que devíamos sentir ou porque achamos que tais ideias podem se tornar realidade. Mais ou menos parecido com o que acontecia com os nossos avós, que pensavam que apenas por falar a palavra “câncer” poderiam atrair a moléstia.
Durante o processo psicanalítico, o paciente tem a oportunidade de reconhecer em si sentimentos que quase sempre são expulsos para longe de sua consciência. No ambiente “controlado” do consultório, podemos reconhecer nossos desejos e realizar um juízo adequado, avaliando se tais fantasias podem ser vivenciadas ou não. No exercício de falar sem regras, apenas “expulsando” as palavras sem compromisso com a lógica, temos acesso aos nossos conteúdos mais secretos e que não gostaríamos que existissem. Reconhecer e perceber que se pode ouvir o que se sente sem grandes prejuízos é de grande valia para quem sofre.
Saber que há uma grande diferença entre pensar e agir é fundamental neste processo. Permite que o sujeito que sofre pense na possibilidade de lidar com este “animal selvagem” chamado mente sem a culpa que nos é atribuída pela sociedade. Boa parte do sofrimento psíquico se dá não pela impossibilidade de realização de alguns desejos, mas pela culpa que se sente apenas por pensar em coisas que não gostaria de sentir. É o que ocorre com algumas mães que não aceitam sentir rejeição por seus filhos. Falar e reconhecer que tais pensamentos podem existir é parte do tratamento de uma mulher com depressão pós parto: além de minimizar o efeito avassalador destes sentimentos, até então, inconcebíveis para a genitora, este processo diminui as chances do abandono, retrato nos casos de bebês que são deixamos nos mais variados lugares.
Tiago Pontes é psicólogo e atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.
Tiago Pontes
Psicólogo
CRP 06/123352
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