Ser ou Parecer ser? Eis a questão!

Discussão noite adentro, de William Blades: o debate franco de ideias, conforme os padrões da argumentação lógica, é uma das características centrais da atividade filosófica. Fonte: Wikipedia

A polarização ocorrida nas últimas eleições presidenciais nos mostrou como nosso país está dividido. Embora insistamos em ver tal fenômeno como um acontecimento nacional, é inegável observar o binarismo presente no mundo todo. Os EUAS elegeram um presidente com um posicionamento absolutamente oposto ao de seu antecessor, Barack Obama. As pesquisas anunciavam que o país estava dividido entre um extremo e outro: Trump x Hiraly Clinton. Na França tivemos, também, o mesmo embate: Macron x Le Pen. Na Europa vemos em isso em outras dezenas de países assim como na America do sul e muitos outros países. O embate entre extremos é um fenômeno mundial.

Pensar na polarização, no acirramento de posições organicamente opostas, me faz pensar nos argumentos que cada um dos lados têm para defender suas ideias. O aumento das tensões entre os que defendem cada um dos lados nos leva a crer que cada militante tem dados suficientes para matar e morrer por sua causa. Isso me faz pensar no caminho trilhado por cada um que defende com unhas e dentes um modo de pensar. O que leram? Como chegaram as suas conclusões? Afinal, o que viram foi algo tão revelador como o grande mistério da vida?

Uma de minhas hipóteses para justificar tais embates se sustenta no mecanismo presente na construção de nossos sintomas psíquicos. Quando um paciente procura um terapeuta, o faz por não estar conseguindo ir além de suas crenças. Um problema no casamento, uma dificuldade no campo profissional ou, apenas, a falta de sentido na vida faz com que o indivíduo angustiado queira encontrar respostas diferentes das que, até então, vem encontrando. Buscamos ajuda, pois não conseguimos nos livrar das crenças que estão na gênese de nosso sofrimento. Temos as nossas convicções e, por mais que nos causem sofrimento, permanecemos com elas custe o que custar. Buscamos o terapeuta, pelo menos a princípio, não para mudar, mas para deixarmos de ter os efeitos colaterais da não-mudança.

A necessidade de ter uma identidade faz com que uma ideia se mantenha com status de realidade apenas para parecermos com algo. Da mesma forma que alguém se mantém defensor de uma ideologia política, de uma corrente filosófica ou práxis religiosa mesmo com argumentos contrários suficientemente bons para fazê-lo mudar de opinião, um indivíduo em sofrimento também não conseguirá deixar de manter-se fiel aos pilares de seus pensamentos, mesmo que estes sejam tão patológicos e nocivos para si.

A polarização do mundo é um reflexo daquilo que ocorre na subjetividade humana desde que Freud tornou público o embate consciente x inconsciente. Por mais que o médico vienense tenha proposto uma nova forma de tratar os doentes nervosos, creio que sua maior contribuição tenha sido o desvelamento de nossa incansável busca por parecer certo, mesmo que todos os argumentos contrários sejam suficientes para nos fazer mudar de opinião. Nietzsche dizia que as convicções eram inimigas da verdade. Seja no embate político ou na busca por conhecer os causadores de nosso sofrimento, não podemos ter medo de deixarmos de ser aquilo que somos.

 

Tiago Pontes é psicólogo e atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.

Tiago Pontes
Psicólogo
CRP 06/123352

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