Quando não se escolhe, a escolha está feita

jogada de xadrez
Não é incomum pais procurarem auxílio de um(a) psicólogo(a) para ajudar os seus filhos, às vésperas do vestibular, a encontrarem um caminho no campo profissional. Alguns jovens, estes um pouco mais velhos e autônomos, buscam por si só a ajuda de um especialista, pois se sentem incapazes de tomarem uma decisão como essa. Sem dúvida, tal escolha é crucial para a vida de um indivíduo, uma vez que ainda temos enraizados em nossa cultura a ideia de que nosso trabalho define quem somos.
Aqui, é interessante observar que quando tratamos a escolha de um curso de graduação como o algo que nos definirá para sempre, estamos, imediatamente, sentenciando a nossa vida a esta profissão. Nada que ocorra poderá me dar alguma outra possibilidade de fazer algo de diferente em minha vida – pensa o jovem.
Nossa cultura é viva e muda constantemente. É importante observar que este paradigma ainda é fruto de uma maneira de enxergar o mundo que corresponde ao século passado, cujo objetivo de vida principal era o de ter, rapidamente, uma profissão e constituir família. Na primeira metade do século passado, este período que hoje conhecemos como adolescência, não era objeto de estudos e nem da atenção dos profissionais, como bem pontua Contardo Calligaris: “Não era um fato social reconhecido. Era uma faixa etária, mas não por isso um grupo social. Ainda menos um estado de espírito e um ideal da cultura” (CALLIGARIS,2000). Neste sentido, o jovem tinha de escolher quais seriam as ferramentas utilizadas para adentrar à vida adulta, o que, neste caso, significaria como iria se sustentar.
O que se observa hoje, mais precisamente após a segunda metade do século vinte, é que cada vez mais valorizamos e prestamos atenção na adolescência. Os crescentes estudos, o grande número de profissionais e o interesse da mídia nesta fase da vida fez com que tivéssemos de entender o jovem e suas demandas. Acompanhado do estudo da adolescência, se faz necessário um entendimento da cultura como um todo, pois, como disse no início do texto, ela é viva e muda constantemente. Vimos crescer a expectativa de vida, o nascimento de novas profissões e, consequentemente, vimos mudar a nossa relação com o trabalho: o que antes era visto como uma obrigação, hoje é visto como algo que precisa ser pensado, discutido e analisado – muitas vezes, até negado
Outro dado importante sobre a adolescência é que observa-se que este período tem ficado cada vez mais longo. Não é fato raro vermos jovens na casa dos trinta anos ainda vivendo com os pais. Uma das hipóteses a respeito da demora em sair de casa se dá pelo fato de o jovem ter cada vez mais tempo para fazer as escolhas que determinarão como será a sua vida, quando morar sozinho – ou como se sustentará.
A obrigação que se via nas décadas passadas deu lugar ao cuidado que se tem na realização das escolhas, utilizando os meios que se pode ter acesso. Ao longo dos últimos anos, vimos crescer o número de ferramentas para o auxílio na escolha de uma profissão, porém, mesmo com todo este aparato, o jovem do século vinte e um parece ter cada vez menos certeza sobre seus passos. Por que temos cada vez mais dúvidas se temos cada vez mais ferramentas para realizarmos nossas escolhas?
Um caminho interessante para auxiliar os jovens nestas difíceis decisões é o da reflexão acerca de suas motivações. Não desconsidero e nem acredito que as ferramentas que são utilizadas nos teste vocacionais sejam desnecessárias, aliás muito pelo contrário: são importantes. Mas penso que os nossos desejos e nossos medos estão intimamente relacionados com questões que ultrapassam nossas escolhas do dia a dia. Tal tarefa precisa e deve ser realizada pelo próprio jovem que busca a resposta para suas dúvidas, mesmo que seja com o auxílio de um profissional. Terceirizar as responsabilidades dará apenas a sensação de que não foi feita a escolha errada (o teste me diz que não tenho jeito para ser chef de cozinha, ok!), mas para saber qual é o caminho certo é fundamental que se tenha coragem, pois nem sempre acertamos e lidar com a frustração requer amadurecimento.
Tiago Pontes é psicólogo clínico e social. Atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.
Tiago Pontes
Psicólogo
CRP 06/123352
Siga no instagram: @tiagopontes_psicologo
Curta : Suco de cerebelo
Outros textos como este no site: psicologotiagopontes.com.br
REFERÊNCIA
Calligaris, Contardo. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000.
REFERÊNCIA
Calligaris, Contardo. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000.