A Morte do “Depois”

borboletas


Não é necessária nenhuma formação específica em comportamento humano, saúde ou qualquer outro campo do saber para concluir que andamos estressados. Esta é uma constatação absolutamente observável, basta nos atentarmos aos inúmeros modelos de tratamentos que surgem para aplacar a angústia do ser humano moderno. Ou seja, há um mercado, pois há uma demanda crescente. Um rápida busca na internet e vemos profissionais que migraram das mais variadas áreas (advogados, executivos, arquitetos, etc.) para o campo do “bem-estar”, todos eles prontos para, de maneira rápida e sem grande ônus, retirar o indivíduo que sofre do pântano da mediocridade e leva-lo ao olimpo da eficiência. É importante salientar que o próprio Freud, pai da psicanálise e um dos maiores pesquisadores da mente humana, não restringia o seu modelo de tratamento psicoterapêutico aos médicos, pois imaginava que este saber deveria ser compartilhado, com a importante ressalva de que este compartilhamento respeitasse um viés rigoroso, comprometido com as regras de aplicabilidade deste conhecimento. Sendo assim, não vejo com maus olhos que profissionais de outras áreas queiram “cuidar”, mas é importante que tenhamos cautela ao pensarmos sobre a metodologia que será utilizada para tal empreitada. Minha crítica, então, apenas direciona-se à tentativa de criar um mercado de consumidores que, seguindo a lógica do capitalismo, quer clientes e não indivíduos críticos de si mesmos, entendedores de sua condição de seres pensantes.
Observa-se na contemporaneidade uma eterna inquietação pelo que está por vir. Acredito que boa parte desta ansiedade seja oriunda dos avanços tecnológicos. Não podemos deixar de pontuar sobre os inúmeros avanços que o mundo moderno nos trouxe: vacinas, qualidade no saneamento básico, computadores e muitos outros facilitadores da vida cotidiana. Tudo isto é inquestionável, mas como boa parte das mudanças que ocorrem em nossas vidas, o novo traz consigo questões que demoram para serem respondidas. Algumas destas questões estão, ainda que de maneira incipiente, surgindo e nos fazendo pensar. “O que faremos com o ‘resto de nossas vidas’ agora que podemos viver até os 100 anos?”. “Emagreço com ou sem ajuda de uma bariátrica?”. “Crianças devem ser expostas aos eletrônicos a partir de que idade?”. Em resumo, estas dúvidas se apresentam e nos levam ao grande paradoxo humano e que a psicanálise chama de “princípio da realidade x princípio do prazer”. Deixando de lado a explicação técnica, basicamente falamos do que desejamos (prazer imediato) x o que realmente podemos concretizar (respeitando as “regras do jogo social”). Quando uma criança ainda é pequena, ela quer, apenas, se satisfazer da maneira mais primitiva possível: se quiser comer, vai chorar até conseguir comer; se quiser defecar, o fará na fralda; se quiser o peito da mãe, também conseguirá através do choro. Nesta fase, o princípio do prazer é quem impera. Com o seu crescimento biológico e o aperfeiçoamento de seu psiquismo, ela começa a aprender que existe uma realidade que a impede de se satisfazer constantemente.
Percebemos que estamos cada vez menos preparados para lidar com o princípio da realidade, pois o mundo contemporâneo oferece inúmeras alternativas para a satisfação das nossas vontades e temos cada vez menos tolerância ao adiamento de nossas desejos. A angústia é curada através de ansiolíticos; o sobrepeso é resolvido com drogas e cirurgias plásticas; o choro da criança é aplacado com um jogo eletrônico; o tédio é encerrado com uma simples visita às redes sociais. Em suma, observamos o que chamo de “a morte do depois”: nenhuma situação é vivenciada integralmente, pois temos inúmeros subterfúgios para nos esquivarmos dela e nos tornamos cada vez mais parecidos com uma criança que ainda não sabe que precisa ter seu prazer adiado.
É de extrema importância que os profissionais que lidam com o sofrimento humano estejam preparados para esta realidade. Não podemos, apenas, responder a uma demanda de mercado e nos tornarmos mais uma forma de reforçar no individuo moderno seu traço infantil. Além disso, quem busca deixar de sofrer e procura um profissional para ajuda-lo, também precisa estar atento às formas que encontra para sanar sua angústia. Acredito que não há uma única forma de se tornar menos angustiado e estressado, mas é fundamental que se esteja atendo aos modelos que prometem “cura à curto prazo” e que distancie o sujeito de sua jornada em direção à maturidade emocional, caminho este que passa, inevitavelmente, por reconhecermos em nós o que ainda há da criança que fomos.

Tiago Pontes
Psicólogo

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