Sobre Amor, Família e Psicanálise

Sobre amor, família e psicanálise

As questões relacionadas aos afetos existentes nas relações familiares são, sem dúvida alguma, assuntos recorrentes no consultório de psicoterapia. Não são poucos os pacientes que procuram ajuda para falar sobre as angústias, medos, desejos e fantasias que circundam as relações de família. Para a psicanálise, esta é uma questão primordial e seu objeto de estudo na clínica, uma vez que a “cena infantil” é o ponto de partida para o entendimento de como nos tornarmos quem somos. Em outras palavras, nós, psicoterapeutas, tentamos, através da escuta, decifrar os enigmas existentes nas reminiscências de nossas histórias infantis. De alguma forma, entende-se, na clínica, que conseguimos olhar melhor para frente quando enxergamos direito o que ficou para trás.

Freud, ao estudar a subjetividade humana, debruçou-se sobre as memórias de seus pacientes e concluiu que a sexualidade tinha papel fundamental em nossa formação. Por isso, sempre foi muito criticado e, no início de suas pesquisas, julgado como imoral, obsceno e não científico – naquele momento, ciência e moralidade pareciam estar mais próximas do que deveriam estar. Dentro do próprio círculo psicanalítico, muitos foram os dissidentes que tomaram caminhos alternativos, buscando outras explicações para o psiquismo humano que fossem além da sexualidade. Embora Freud nunca tenha feito questão de negar tal acusação – não teria motivo, pois a sexualidade era ponto de partida de sua teoria –, tenho um ponto de vista diferente de alguns críticos do médico vienense.

Em minha opinião, o amor é o ponto chave da teoria psicanalítica. Quando Freud traz a questão da sexualidade para o seu arcabouço teórico, analisa o que se pode averiguar das manifestações afetivas. É através do corpo que nos comunicamos com a vida, sobretudo por não termos, até os nossos primeiros anos de vida, um vocabulário suficientemente rico para utilizarmos. As marcas de nosso primeiro veículo de comunicação, o corpo, serão sentidas ao longo de nossas vidas. Não se fala de afeto sem falar de corpo e é sobre isso que se fala numa psicanálise. Em outras palavras, quando estamos nos recordando de nossas primeiras e mais remotas memórias, quando reorganizamos alguns de nossos medos, quando revisitamos nossas primeiras experiências, estamos falando de sexualidade e estamos falando de amor – e suas variáveis.

Se, então, falar de nosso corpo e falar de nossa sexualidade é, por consequência, falar de amor, isso nos faz pensar que amor e dor andam juntos? Eu diria sim e não. Num trabalho terapêutico, um paciente terá a árdua tarefa de se reaproximar daquilo que o atormenta. O analista tentará ajudá-lo a entender o que jogou para fora da consciência e por que o fez. Normalmente nos sentiremos mal por descobrirmos que boa parte das coisas que fizemos, ou deixamos de fazer, foram feitas (ou não feitas) por amor. Por querer ser amada, por querer amar e por medo de perder o amor uma criança faz concessões, comete atos de violência, se cala, se revolta e, por fim, se adapta ao discurso dos pais. São essas adaptações que nos dão o suporte suficiente para que sigamos com nossas vidas. Mais tarde, para algumas pessoas, esses rearranjos acabam se tornando “pesados” demais para seguir na vida adulta e, por consequência, desenvolve-se reações que, quase sempre, vêm disfarçadas de sintomas. Mesmo tendo um vocabulário rico, mesmo sendo capaz de se expressar, aquele que sofre é incapaz de dar uma explicação, através da palavra, para o que sente. Mais uma vez, o corpo volta ao comando. Em uma análise, o principal objetivo é entender o que se fez – e o que se faz – por amor e se tornar maduro o suficiente para lidar com as consequências das nossas escolhas.

 

Tiago Pontes é psicólogo clínico e social. Atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.

Tiago Pontes
Psicólogo
CRP 06/123352

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