Eterna Black Friday

É inevitável realizar qualquer análise sobre o período histórico em que vivemos sem ter como pano de fundo a internet.  O salto tecnológico proporcionado pela rede mundial de computadores tornou-se um divisor de águas para a nossa história, assim como ocorreu com outros tantos avanços, como por exemplo a pílula anticoncepcional. Houve uma mudança de paradigma, uma vez que as pessoas puderam ter relações sexuais sem se preocuparem com uma gravidez indesejada. Outro exemplo, ainda na “mesma seara”, a descoberta da AIDS foi o motivador principal para o surgimento da camisinha, o que proporcionou às pessoas, mais uma vez, usufruírem dos prazeres do corpo sem o temor de contrair HIV.

Pensar a nossa contemporaneidade é refletir sobre a maneira que existimos com base em nossos comportamentos. Com a facilidade da comunicação dos smartphones, temos, cada vez mais, a fluidez das relações pautando nossos encontros e desencontros. Embora os smartphones tenham dado a marca da rapidez das nossas relações, creio que o grande marco de nossa época está no surgimento das redes sociais. Foi no início dos anos 2000 que começamos a ter uma identidade digital, com o surgimento do Orkut e Facebook. Pudemos inventar uma vida que valia a pena ser compartilhada: as melhores fotos, os melhores textos e, no caso do Orkut (rede que fez muito sucesso aqui no Brasil e em outros países emergentes), a possibilidade de ganhar declarações dos nossos amigos, quase como avaliações que garantiam que éramos “produtos bons”.

Não é exagero pensar na proximidade entre como nos colocamos nas redes sociais e os produtos em prateleiras (digitais ou não) nos mercados: a escolha pela melhor foto, a melhor descrição de nossas “aventuras” e as declarações dos nossos amigos poderiam ser comparadas ao produto que sempre tem a melhor foto, uma descrição clara e sedutora e, por fim, as avaliações de usuários que “já provaram” a mercadoria, afinal se outros pessoas gostaram, é digno de “estar no mercado”. Quem nunca olhou no google se aquele hotel que pensa em passar o fim de semana tem boas avaliações?

O sujeito do século vinte e um é influenciado pelo modelo mercadológico. A ética da propaganda é a predominante em nossas relações, pois é essa ética que aprendemos através da televisão ao longo dos últimos 60 anos em que os profissionais de publicidade criavam suas campanhas sem nenhum tipo de supervisão ou crítica. A internet é um “produto final” deste modelo em que vivemos há algum tempo, tendo o homem se tornado, também, em um produto consumível, e, nesta dança sensual de troca de papéis, já não sabe mais quem compra e quem é comprado.

Embora esta análise soe um pouco apocalíptica, não creio que estejamos fadados a nos tornarmos zumbis que publicam, editam, compram, vendem e pechincham a si mesmos. Creio que estarmos atentos ao uso da internet, mas mais precisamente das redes sociais, nos dá a capacidade de sermos seletivos no processo de escolha de nossas ações. É importante estarmos despertos para sabermos de forma consciente se aceitamos e concordamos esse modelo de vida mercadológico, afinal temos o direito de optar pela vida que mais nos é interessante. Ter acesso às informações deste acordo é como olhar atentamente as cláusulas de um contrato de letras miúdas. O preocupante é que não costumamos olhar para os termos que concordamos em fazer parte nos inúmeros sites e apps que usufruímos. O sujeito do século vinte pensa comprar mas, na verdade, está doando. É, talvez seja um pouco apocalíptico mesmo.

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